Por Dra. Rosangela Wolff de Quadros Moro¹
A judicialização da saúde é tema que atormenta pessoas portadoras de doenças ainda não estão contempladas no Sistema Único de Saúde – SUS, que estão à margem de qualquer política pública implementada que lhes garanta o tratamento na via administrativa. Portanto, a alternativa dessas pessoas é buscar no Poder Judiciário a prestação material do tratamento que necessita, e o Judiciário tem se mostrado o locus de efetivação deste Direito, desde que seja comprovado que o tratamento buscado não é experimental, o que equivale a dizer que o fármaco tem registro no órgão de controle (Anvisa), que o SUS não fornece nenhuma outra alternativa e que o tratamento buscado não pode ser substituído por outro.
Não se quer incentivar a adoção de medidas judiciais, mas reconhecer que a via judicial tem sido a única alternativa para algumas pessoas. E por que isso acontece? Por que as demandas que buscam tratamento tem crescido e avolumado as serventias forenses?
Porque as políticas públicas são insatisfatórias e não atendem à integralidade das necessidades dos cidadãos. Não se trata de defender a tese de que todos tem direito a tudo, porque os recursos públicos são realmente limitados, mas defender que em relação ao direito à saúde há muito ainda há ser feito.
As políticas públicas podem ser compreendidas como programas de governo para implementar direitos através da efetiva prestação material do serviço público. Uma vez implementadas, fazem nascer para o cidadão o direito subjetivo àquela prestação material e, acaso descumprida, o Poder Judiciário, sem muita margem para discussão, determina que o cumprimento seja imediato. Isso ocorre por exemplo quando há atraso no fornecimento de um medicamento que já integre a listagem do SUS.
As políticas públicas são os meios para o alcance da efetivação do direito. E como as políticas públicas são implementadas? Ou são implementadas através de lei ou através de atos do poder executivo. Em qualquer dos casos, importa reconhecer que as Associações (sociedade civil organizada) podem exercer importante papel.
As leis são produto de atuação do Poder Legislativo. Na esfera federal, a Constituição da República prevê que o Congresso Nacional quando instaura comissões temáticas deve realizar “audiências públicas”. Nesse espaço as associações têm muito a contribuir apresentando dados estatísticos e divulgando toda a expertise adquirida.
Para a implementação de políticas públicas através de atos do Poder Executivo as associações participam dos conselhos setoriais, cuja composição conta com integrantes da sociedade civil. Os conselhos têm caráter deliberativo e suas decisões vinculam o órgão ao qual são umbilicalmente ligados.
Quando esses canais conseguem a implementação de política pública o efeito alcança a totalidade das pessoas que se enquadram na política implementada. Se há um novo protocolo aprovado ele valerá para a todos, indistintamente. E nesse momento, nasce o direito que falamos acima.
Quando a pessoa consegue obter, pela atuação do Poder Judiciário, o medicamento, ela conseguiu implementar uma política pública que vale somente para si mesma. Os demais, que queiram igualmente ter acesso ao tratamento precisarão buscar, individualmente, a proteção do seu direito, é o que temos visto. Contudo, as associações, neste aspecto, também podem contribuir através das ações coletivas, desde que as suas normas estatutárias assim permitam. Através das ações coletivas, o ordenamento jurídico permite que a entidade, em nome próprio, peça ao Judiciário a proteção para outrem, seus associados, e obtendo uma decisão favorável, valerá para todos. Assim, a política pública será implementada coletivamente.
Ocorre que, mesmo nesses casos de pedidos em ações coletivas, a decisão vem do Poder Judiciário. Essa discussão é crucial porque já dissemos acima que as políticas públicas são implementadas pelo Poder Legislativo e Executivo. Surge então a seguinte questão: é legitima a implementação de política pública pelo Poder Judiciário? Pode o Poder Judiciário implementar uma política pública?
O Supremo Tribunal Federal já consolidou a possibilidade da implementação da política pública através do Poder Judiciário para proteger o direito fundamental do cidadão (direito à saúde) desamparado pela omissão dos Poderes, a aos quais caberia a implementação da política. Ou seja, o Judiciário não está implementando a política, mas efetivando um DIREITO posto à margem das políticas existentes.
As associações, portanto, tem muito a contribuir. Podem e devem atuar na defesa dos direitos do grupo que busca defender e também podem atuar como prestadoras de algum serviço. Nesta seara podem, inclusive, contar com recursos oriundos de parcerias com os entes estatais desde que preencham os requisitos legais hoje tratados na Lei 13.019/14.
A obrigatoriedade ou não do poder público fornecer gratuitamente medicamentos de alto custo não constante na lista do SUS aos cidadãos é tema que será decidido pelo Supremo Tribunal Federal que poderá estabelecer critérios, visando a uniformização. Até que isso aconteça, o cenário atual tem se mostrado da seguinte maneira: documentos e provas periciais aptos a demonstrar a necessidade, a singularidade do medicamento e sua indispensabilidade são alguns dos requisitos que autorizam a concessão de liminares, somado à prova de inexistência de tratamento experimental.
As liminares tem vida efêmera, até que outra decisão a confirme ou revogue. As liminares hoje concedidas aguardam a decisão da Corte Suprema e neste período são dotadas de vigência, validade e devem ser obrigatoriamente cumpridas.
¹Currículo Dra. Rosangela Wolff de Quadros Moro:
Consultora e Advogada com escritório próprio voltado para as associações do terceiro setor
Procuradora Jurídica da Federação Nacional das APAES desde junho 2013.
Procuradora Jurídica da Associação Niemann Pick Brasil desde setembro e 2012.
Procuradora Jurídica da Federação das APAES do Estado do Paraná desde 08 de Agosto de 2008.
Procuradora Jurídica da Ardem-PR – Associação Regional dos Desportos dos Deficientes Mentais desde setembro de 2010 (vínculo: voluntária).
Membro da comissão de direito do terceiro setor da Ordem dos Advogados do Brasil, Seção do Paraná (Portaria 97/17)
Pós-graduada em Direito Tributário na Universidade de Joinville, Santa Catarina.
Autora do livro Regime Jurídico das Parcerias das Organizações da Sociedade Civil e a Administração Pública, São Paulo: Matrix, 2016.
Recebeu Prêmio Gente Rara oferecido pela Casa Hunter SP – agosto 2017; Prêmio Empreendedores 2017 – Curitiba – PR e Diploma de Honra ao Mérito do Instituto Luigi Barindelli.
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