A conquista de Pedro | Por Marise Basso Amaral

“Mãe, o que significa conquistar?”. Essa foi a pergunta ao sairmos do consultório do Dr. Fischer, pneumologista do Pedro, quando morávamos em Porto Alegre. Terminamos a consulta ambos com uma missão, o Pedro com uma dúvida e eu com o coração bem apertado. Estava tudo relativamente bem, mas, como sempre, o peso preocupava, estava muito abaixo do que seria o considerado bom para um menino de seis anos.

Na consulta, o Dr. Fischer fez algo maravilhoso. Depois de conversar muito comigo, ele se virou para o Pedro e disse que ele tinha uma missão: ele tinha dois meses para ganhar três quilos. Para isso, ele precisaria se comprometer muito e trabalhar firme para conquistar esse peso.

Pedro saiu todo orgulhoso de receita em mãos escrita especialmente para ele, afinal, já estava aprendendo a ler. Eu, confesso, saí com medo, sabia o que significava aquele prazo e aquela meta. Sabia exatamente o tamanho daquele desafio. Ao chegarmos em casa ele continuava dizendo que não tinha entendido muito aquela coisa de CONQUISTAR, então, fomos ao seu quarto onde tinha uma grande quadro branco para desenhar, brincar, estudar.

Fiz uma linha reta, em quase toda a largura do quadro e marquei no início dela a data daquele dia e o peso que ele estava. Ao final da reta, do outro lado, marquei o peso que ele deveria chegar depois de dois meses, e disse: “Esse caminho todo até aqui, isso é conquistar!”.

A cada semana, marcávamos o quanto ele tinha ganho de peso no quadro branco. Também fizemos disso um segredo pessoal nosso que ninguém mais sabia, o projeto “super-ultra-gordo-plus” e toda a noite eu dava um “leitinho forte” (com tudo que se pode imaginar), ‘escondido’, que ninguém via.

Aproveitamos que o Cristiano já estava morando no Rio para fazer disso uma surpresa para ele também. Ao final de dois meses, Pedro ganhou 3 maravilhosos e surpreendentes quilogramas!!! Então perguntei para ele “Filho, você entendeu o que é conquistar?”, ao que ele me respondeu: “Entendi sim, conquistar é uma coisa que demora muito tempo, dá muito trabalho e tem que tomar muito leitinho!!!”.

Dia desses entrei no quarto do Pedro para perguntar um negócio e me deparei com o painel que ele estava montando no quadro de avisos dele. Quando ele me viu, pediu que eu saísse, não estava pronto, era uma surpresa para mim e para o pai. Mas eu já tinha visto um pouco – o suficiente para ficar muito emocionada – coração cheio de orgulho.

Estava lá, um menino de 13 anos, de forma muito mais elaborada, cheio de arte, imagens, conexões, memórias, escrevendo suas conquistas e renovando suas apostas, num quadro não mais branco, não mais feito de uma linha reta só, cheio de conexões, cheio de setas, articulações, cheio de possibilidades. Um registro também das pessoas que apoiaram, daquilo que ainda está por vir, um grande memorial de afetos, encontros e aprendizagens.

Pedro, aos seis anos, aprendeu o que significava a palavra conquistar do seu jeito. Mas ele também foi aprendendo, de lá para cá, que depois de conquistar, temos que trabalhar muito para manter. Isso para todos nós, mas para quem tem FC, algumas vezes podemos perder muito, voltar bem para trás e ter que começar tudo de novo.

Aqui em casa, como em muitas casas, vivemos nesse movimento cotidiano de avançar e, algumas vezes, retroceder. Ano passado foi particularmente mais difícil, Pedro teve uma pancreatite, tivemos dificuldades em acertar sua parte digestória, voltou a tomar enzimas que havia parado por três anos.
Fizemos também seis meses de inalação de antibióticos em função de colonização por Pseudomonas. Pareceu um grande passo para trás.

O ano também foi difícil em muitos aspectos, na associação, no trabalho, no país, nas nossas lutas cotidianas para garantir o melhor tratamento possível para as pessoas com Fibrose Cística e com doenças raras em geral. Assim, quando Pedro finalmente nos chamou para “oficialmente” e todo orgulhoso mostrar seu painel, eu me senti de novo naquele quarto, com aquele mesmo menino que me dizia com muita simplicidade que conquistar era uma coisa que leva tempo, dá muito trabalho e tem que tomar muito leitinho.

Obrigado, meu filhote, porque dessa vez, foi você quem colocou seu pai e sua mãe de volta na linha.

Marise Basso Amaral

Nota importante: As informações aqui contidas tem cunho estritamente educacional. Em hipótese alguma pretendem substituir a consulta médica, a realização de exames e ou, o tratamento médico. Em caso de dúvidas fale com seu médico, ele poderá esclarecer todas as suas perguntas.

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